sexta-feira, 10 de abril de 2009

Avanço do Ensino à Distância exige debates sobre o tema

retirado do site da Adusp | 30 de março de 2009

O Ensino à Distância (EàD) avança a passos largos no Brasil. Para além das empreitadas dos governos federal e estadual em favor do EàD, que se consubstanciam na Universidade Aberta do Brasil (UAB) e na Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), o Conselho Universitário da USP recentemente aprovou sua primeira Licenciatura à Distância em Ciências (vide Informativo Adusp nº 274). Isso, em contrariedade ao fato de que a formação inicial presencial é imprescindível no ensino superior, ainda mais no caso de professores.

O uso de instrumentos educacionais complementares às aulas presenciais, inclusive os que não exigem a presença dos estudantes, pode ser muito útil. Cursos à distância também podem contribuir para a complementação da formação profissional. A forma que o EàD tem tomado no Brasil, porém, é inaceitável: ao invés de complementar o ensino presencial, ele surge no lugar da sua necessária expansão. Há que se desfazer os enganos, bem como discutir com cuidado e profundidade esse tema.

Tem se alegado, em favor do EàD, a impossibilidade econômica do país melhorar e ampliar o ensino presencial. Esse argumento é falso. O Brasil emprega apenas cerca de 3,5% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em Educação, valor que poderia ser muito aumentado. Note-se que, apenas nos últimos cinco anos, o PIB brasileiro, que corresponde à soma das riquezas aqui produzidas, cresceu cerca de 20%. Se uma parcela desse crescimento fosse destinado à Educação pública, nossa situação poderia ser bem diferente. Portanto, não há impossibilidade econômica, pois recursos existem.

Há, em verdade, uma política deliberada de não se investir o necessário em Educação: 3,5% do PIB é insuficiente para manter um bom sistema educacional e muito insuficiente para recuperar atrasos educacionais como os nossos. O previsto no Plano Nacional de Educação (PNE), vetado pelo presidente FHC, cujo veto é mantido pelo presidente Lula, é duas vezes maior que esse valor (como apontado na proposta de PNE construída pela sociedade brasileira).

Limitações educacionais

Do ponto de vista educacional, o EàD certamente trará uma série de limitações para os estudantes. Por exemplo, o contato direto e intenso entre educandos e educadores e entre os próprios estudantes, em que as feições faciais e entonações que complementam as palavras são imprescindíveis para o entendimento de questões e respostas e para que o processo de aprendizagem aconteça com qualidade. O EàD não oferece possibilidades de iniciação científica e não abre o horizonte para estudos de pós-graduação.

Ademais, fica prejudicada a vivência universitária, não há atendimento médico, nem práticas esportivas, nem, mais gravemente, acesso imediato e direto a professores de diferentes áreas e sub-áreas. A possibilidade de discussões após as aulas e de estudos coletivos imediatos quando necessários não existe. Não há boas bibliotecas acessíveis, nem alimentação subsidiada. Soma-se a esses problemas o fato de que o ambiente doméstico é inadequado para os estudos, em especial para aqueles excluídos do ensino presencial. A educação presencial oferece condições de ensino e de aprendizagem que praticamente inexistem nos locais de moradia: por ­exem­plo, os horários de aulas, nos quais os estudantes se colocam necessariamente imersos em um e apenas um assunto. Isso é fundamental no processo educacional.

Tecnologias auxiliares

Os recursos técnicos e tecnológicos sempre foram e deverão continuar sendo utilizados nos processos de ensino e de aprendizagem, pois em muito podem contribuir para o aprendizado e para aguçar nas pessoas a vontade de aprender. Pode-se e deve-se usar a internet como auxiliar nos cursos, em especial para elucidar dúvidas e disponibilizar materiais de estudo. Contudo, não se pode superdimensionar o papel dessas tecnologias no ensino presencial – que dirá substituí-lo por aquelas.

É falso também o argumento, usado pela própria secretaria estadual de Ensino Superior, de que grandes contingentes populacionais não podem freqüentar o ensino presencial. Muitas vezes os estudantes potenciais residem em municípios ou mesmo em bairros em que há ensino superior público, presencial e de qualidade, mas que não oferecem vagas em quantidade suficiente. Quanto aos contingentes que estão efetivamente distantes, dever-se-ia considerar a necessária expansão do ensino superior público presencial, que cabe nos orçamentos públicos, tanto da União como do Estado.

Se muitos países adotam o EàD como algo adicional, certamente não é para suprir deficiências do ensino superior público presencial, mas sim para alcançar aqueles que, por motivo excepcional, não são atendidos por este ensino, tais como prisioneiros, pessoas impossibilitadas de locomoção, militares engajados em regiões de fronteira etc.

Ciclo vicioso

A intenção de oferecer aos professores o direito de se graduarem no ensino superior e de darem continuidade a seus estudos universitários não coaduna com o tipo de formação oferecida pelo EàD. A insistência nessa via poderá ter conseqüências muito danosas, que se propagarão pela segunda geração de estudantes: aquela “formada” pelos professores “formados” à distância, com alta probabilidade de instaurar um ciclo vicioso ininterrupto.

Quantos de nós gostaríamos de estudar ou permitiríamos que nossos filhos estudassem por meio do EàD? As elites certamente não optam pelo ensino à distância e talvez possamos afirmar que profissões de maior “prestígio social” jamais considerariam a hipótese de optar pelo EàD. Por que faríamos isso com a “formação” de professores para as próximas gerações? Por que ofereceríamos apenas e tão somente isso àqueles que, por razões sócio-econômicas e, sobretudo, pelo total sucateamento da Educação Básica, não estão tendo a oportunidade de freqüentar o ensino superior público presencial?

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