sexta-feira, 10 de abril de 2009

A Universidade Virtual segundo Vogt

retirado do site da Adusp | 22 de outubro de 2007

Mal assumira a Secretaria de Ensino Superior, o professor Carlos Vogt já anunciou a criação da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Um folheto de 18 páginas, “Detalhamento operacional e orçamentário preliminar da proposta de implantação do programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo”, apresenta as principais linhas dessa “universidade”. A julgar pela capa, a equipe “responsável” pelo programa é formada pelo próprio secretário Vogt (coordenador) e os professores Waldomiro Loyolla, Geraldo Di Giovanni e Jocimar Archangelo. Vejamos o que é autoproclamado.

De acordo com o documento, a “pedra basilar” da Univesp seria seu “foco social, promovendo a educação dentro de um ciclo virtuoso”, o que implicaria “prover o aperfeiçoamento da formação dos seus professores, que por sua vez oferecerão uma melhor formação a seus alunos, que poderão tornar-se melhores professores e mesmo melhores profissionais”.

A idéia seria iniciar um ciclo “de retroalimentação educacional para promover uma educação pública mais ampla e de crescente qualidade”, de acordo com a premissa de que tal início de ciclo seria “caracterizado pelo oferecimento exclusivo de formação superior a professores em atividade e que ainda não a possuem”. O texto destaca que “o próprio Estado necessita da formação de melhores professores, mas sem que estes se ausentem de suas atividades”.

Posteriormente, a Univesp passaria a oferecer “incremento da formação de professores que já detenham diploma de nível superior”, e, depois, trataria de ampliar “o atendimento da demanda social ao oferecer ensino superior de qualidade a pessoas que não tenham outra condição de freqüentar um curso superior”.

Preferências

Assim, o contingente preferencial da fase de implantação da Univesp seria constituído por 32 mil professores do ensino fundamental de 1ª a 5ª séries, “que ministram aulas em escolas urbanas e têm apenas o ensino médio completo”, mais 2 mil professores “que ministram aulas de 5ª a 8ª séries e também não possuem curso superior”, e outros 2 mil professores “que atuam na educação de jovens e adultos e na educação especial no Estado”.

O texto sustenta que os cursos de graduação a serem oferecidos pela Univesp aos 36 mil professores dessa leva inicial devem ser elencados com base nas “condições atuais” e nas “necessidades mais prementes do Estado em função dos recentes resultados do Saeb”, o Sistema de Avaliação da Educação Básica. E afirma que tais critérios resultaram numa relação de cursos que inclui Pedagogia e cinco licenciaturas: em Língua Portuguesa, Matemática, Física, Química e Biologia.

A pretensão é oferecer “ao menos mil vagas para cada um dos cursos de graduação propostos, alcançando 8 mil professores atendidos já durante o primeiro ano dos trabalhos”, os quais terão condições de “ao final de três anos de estudo já disporem de curso superior completo e ainda terem perfeita aderência da sua formação com as atividades desenvolvidas”.

“Sinergia”

O modelo operacional da Univesp teria como base a “sinergia pedagógica das universidades estaduais com o apoio comunicacional da linguagem televisiva, o alcance e a grande abrangência geográfica oferecidos pela Tv Cultura”, o que permitiria “apresentar programas-aula a um grande público disperso por todo o Estado usando um tipo de comunicação de ampla absorção pela sociedade brasileira”. Ao apresentar tal projeto ao Reitor e a outros dirigentes da Unesp, em 2/10, Vogt informou que a implantação da Tv digital permitirá a canais de sinal aberto oferecer entre quatro e seis programações simultâneas. “Queremos utilizar um desses canais da Cultura para a Univesp”, disse o Secretário.

Segundo o “Detalhamento operacional e orçamentário preliminar”, estudos e atividades desenvolvidas pelos alunos ocorreriam “tanto de forma presencial em pólos de apoio como por telefone e pela internet”, e aulas laboratoriais e avaliações aconteceriam “de modo presencial nos mesmos pólos”, que estariam sediados nas universidades públicas estaduais.

No modelo projetado por Vogt, caberia às universidades não só oferecer cursos, “tanto de forma consorciada como isolada”, a estrutura física dos seus campi e os laboratórios, mas também disponibilizar alunos, que poderiam “atuar como monitores das turmas”. Com isso, “haveria 30 cidades com pólos na fase inicial de implantação” da Univesp. Caberia à Fapesp o papel de “desenvolver alguns modelos de programas de amparo à iniciação pedagógica, incentivando a que mestrandos, e mesmo concluintes de cursos, desenvolvessem os trabalhos de tutoria”.

O folheto estima custos totais de R$ 158,5 milhões nos primeiros seis anos de implantação do projeto. Ao final desse período, calcula que o número de alunos formados em cursos de graduação e especialização chegue a 52 mil (já descontado um índice de evasão de 10%), havendo outros 27 mil em atividade nos cursos. Assim, “o custo total de cada aluno formado é próximo de 3.000 reais”.

Avaliação preliminar

Há tempos, insistimos na necessidade de ampliar o número de vagas no ensino superior público. Isso faz parte da defesa do direito de todos à Educação, com base em quatro premissas básicas – ser pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente referenciada – e ser garantida pelo poder público.

A modalidade ensino à distância (EaD) tem sido propalada pelos governantes, à exaustão, como alternativa viável para aumentar o número de vagas no ensino superior em pouco tempo. Entretanto, o contexto sócio-político que permeia esse tipo de proposta coloca questões essenciais que, aparentemente, seus defensores persistem em ignorar e é preciso que nossa categoria as discuta.

A falta de compromisso de sucessivos governos com a Educação pública no estado de São Paulo resultou na fragmentação da área e na insuficiência crônica de recursos para a manutenção e o aprimoramento do seu sistema de educação pública. Isso fica bem explícito, por exemplo, no recente ataque promovido pelos decretos de Serra às universidades, na resistência do executivo e do legislativo em discutir o Plano Estadual de Educação, na disputa anual na LDO sobre o repasse da cota parte do Estado do ICMS para as universidades (há mais de uma década em 9,57%), e também na recorrente recusa de sub-vincular recursos para o Centro Paula Souza. Tudo isso, a despeito da ampliação de vagas ocorrida nos últimos anos nas universidades, e da expansão de Fatecs realizada de forma irresponsável pelos governantes no Estado.

Agora, com essa proposta de “universidade virtual”, fica cada vez mais claro o papel que o governo tenta atribuir à “educação superior”: instituir ensino de qualidade diversificada para diferentes parcelas da sociedade, preservando os “centros de excelência” para a formação dos quadros dirigentes e o EaD e outras formas aligeiradas de ensino para a maioria da população que consegue ter acesso a esse nível de ensino. Resultados altamente prováveis: pesquisadores separados do papel da docência e quebra do tripé que deve caracterizar as universidades: ensino, pesquisa e extensão.

É inegável a potencial contribuição das novas técnicas de informação e comunicação para a otimização do ensino e da aprendizagem, sendo portanto ferramentas importantes a serem assimiladas no processo educacional. Mas a verdadeira formação para a cidadania exige relações presenciais, professores bem formados e estudantes livres para desenvolverem trocas cognitivas que demandam ações artesanais, espaços de diálogo e discussão, condições reais para o exercício da construção de saberes cada vez mais úteis à sociedade.

Salvo melhor juízo, não parece ser esse o teor da proposta da Univesp.

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